sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Os Castrati

Acredita-se que, em geral, os estilos de canto ocidental moderno remontam apenas ao final do século XVI. Inicialmente é provável que a voz masculina aguda fosse preferida pela sua grande potência, em vista de um tórax mais avantajado que o das mulher. O surgimento da ópera e as restrições impostas às vozes femininas, influenciaram a arte do canto e a procura de vozes não só adequadas de soprano, mas sobretudo potentes. Isso era encontrado nos cantores pre-púberes masculinos que, infelizmente, logo perdiam seu dom e "engrossavam" a voz ao atingirem a puberdade. Como resultado da expulsão das mulheres dos palcos e coros, decretada pela Igreja, surgiram no século XVIII, os "castrati", que eram cantores castrados antes da puberdade para preservarem o registro de soprano, mezzo-soprano ou contralto da voz. Apoiada em pulmões masculinos, essa voz era ágil e penetrante.


Esta faculdade numa voz masculina só é verificável na sequência de uma operação de corte dos canais provenientes dos testículos, ou então por um problema endocrinológico que impeça a maturidade sexual. Consequentemente, a chamada "mudança de voz" não ocorre.
A castração antes da puberdade (ou na sua fase inicial) impede então a libertação para a corrente sanguínea das hormonas sexuais produzidas pelos testículos, as quais provocariam o crescimento normal da laringe masculina (para o dobro do comprimento) entre outras características sexuais secundárias, como o crescimento da barba.


Quando o jovem castrato chega à idade adulta, o seu corpo desenvolve-se, nomeadamente em termos de capacidade pulmonar e força muscular, mas a sua laringe não. A sua voz adquire assim uma tessitura única, com um poder e uma flexibilidade muito diferentes, tanto da voz da mulher adulta, como da voz mais aguda do homem não castrado (contratenor). Por outro lado, a maturidade e a crescente experiência musical do castrato tornavam a sua voz marcadamente diferente da de um jovem.

O termo castrato designa não só o cantor mas também o próprio registo da sua voz.

Os "castrati" foram usados pela Igreja Católica durante mais de 300 anos e ocuparam uma posição dominante na ópera dos séculos XVII e XVIII, tendo sido fundamentais no desenvolvimento e popularização da ópera italiana (Monteverdi dava preferência ao uso de "castrati" em suas obras). A voz "castrato" atendia à necessidade dos compositores da Contra-Reforma de vozes agudas e expressivas na música de igreja, e os "castrati" foram então utilizados nos três séculos seguintes. Na ópera, sopranos e "castrati" tornaram-se os cantores mais valorizados no período barroco, com sua eloqüência insuperável no estilo novo e fluente do "bel canto" e, em alguns casos, o resultado dessa operação tornou possível uma voz de assombrosa irrealidade de tom e perfeição técnica.

Para muitas dessas vítimas desse sofisticado barbarismo, o resultado foi uma carreira em obscuridade provincial perdida, enquanto outros tiveram um sucesso de superstar hollywoodiano. FARINELLI E ALESSANDRO MORESCHI, O ÚLTIMO “CASTRATO” O mais famoso "castrato" foi o napolitano Carlo Broschi (1705-1782), conhecido como Farinelli e que foi tema recente de película cinematográfica homônima. Castrado aos sete anos de idade, Farinelli cantou a partir dos anos 1720 em óperas, incluindo várias de seu professor, o famoso Nicolau Porpora, e da maioria dos compositores de sua época. No auge de sua forma vocal, cantou em Londres e foi altamente louvado pela sua agilidade, pureza tímbrica e bela sonoridade e teria sido capaz de sustentar uma nota por mais de um minuto sem respirar. Desfrutou de aposentadoria, dono de enorme riqueza recebendo, em sua propriedade em Bolonha, o Padre Martini, Chistoph W.Gluck e Mozart e foi muito influente na difusão do estilo musical floreado.

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Outro "castrato" mezzo-soprano famoso, foi Gaetano Cafarelli (1710-1783), também aluno de Porpora e compositor para o qual Händel escreveu a famosa ária "Ombra mai fù" de Xerxes (o "Largo"). Sua voz era encantadora, inferior apenas à de Farinelli, mas sua arrogância o tornou impopular. Foram também famosos Loreto Vitori, que permaneceu na Itália, e Baldassare Ferri, que serviu às cortes de Varsóvia e Viena.


É conhecido o episódio do grande Franz Joseph Haydn que, como cantor da Igreja de Santo Estevão, quando viu sua voz mudar, ficou num sério dilema: se se submetesse à castração, conservaria sua função, mas o jovem preferiu enfrentar os rigores de uma nova condição passando fome e frio, cedendo seu lugar ao irmão Michael, mais jovem que ele, preservando assim sua integridade física.



Em 1878, o Papa Leão XIII extinguiu a castração e o último “castrato” de que se tem notícia, foi Alessandro Moreschi, falecido em 1922. Sua voz foi gravada e se constitui hoje, no único registro do verdadeiro som produzido por um “castrato”, porém, a técnica era defasada, não se pode acreditar que todos os castratis possuíam vozes com a dele.

Legenda:

Foto 1: Domenico Annibali (castrato contralto)
Foto 2: Giovanni Carestini (castrato mezzo-soprano)
Foto 3: Senesino (castrato contralto)
Foto 4: Nicolò Grimaldi (castrato soprano)
Foto 5: Farineli (castrato soprano)
Foto 6: Alessandro Moreschi (castrato soprano)

2 comentários:

Unknown disse...

Adorei a idéia do Theo de fazer de seu blog um espaço para a música....Como bom e fiel apaixonado por contratenores e enlouquecido pela capacidade dos castratis em termos de expressão e extensão vocal que se reflete na extensão de suas famas atravessadoras de séculos tocando corações diferentes mas com a mesma maneira , tenho que dizer BRAVO pro Theo pelo trabalho dele nesse assunto...
Tudo de bom e muito sucesso!!!

thierry magdalena disse...

seu blog esta muito elegante.sucesso
gabeh